quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

INTEIRIÇOS: MITOS E REALIDADES


Envolvidos por mitos e fatos, os instrumentos inteiriços sempre rendem bons debates em rodas de músicos, principalmente quando o assunto é construção de guitarras e contrabaixos elétricos. Como luthier especialista neste tipo de construção (uma especialidade, também, do saudoso mestre Ladessa), neste texto serão tratadas as principais questões que envolvem esta complexa forma de confecção.

Em especial, a dúvida (ou crença) que permeia a cabeça de vários músicos é quanto à fragilidade do braço inteiriço. Muitos acham que quando este tipo de braço empena não há como reverter o problema. A verdade é que esta afirmação não passa de uma lenda inventada por quem não entende muito do assunto. Da mesma forma, aliás, que um braço inteiriço sofre alterações com a variação de temperatura, umidade e tensão das cordas, os braços colados (tipo Les Paul) e aparafusados (tipo Strato) também são suscetíveis a este mal; afinal, independentemente do método de construção, os braços dos instrumentos são feitos com as mesmas matérias primas: as madeiras. Assim, desmistificamos essa questão.

Os instrumentos com braço inteiriço, porém,  merecem um cuidado extra durante a sua fabricação. Por serem feitos a partir de uma única peça, o ângulo de inclinação do braço obrigatoriamente deve ser perfeita  a partir da escala; caso contrário, o instrumento estará condenado, sendo impossível regulá-lo, tampouco tocá-lo.

Por isso, são raros os fabricantes que se aventuram em construções de inteiriços. A maioria prefere a segurança em trabalhar com peças coladas ou aparafusadas. Isso porque, nestes tipos de construções, qualquer erro de cálculo de inclinação pode ser corrigido sem grandes dificuldades. Além disso, caso haja uma falha na construção dos aparafusados, apenas o braço ou o corpo poderão ser descartados, ao contrário dos inteiriços que são uma única peça, ou seja, quando se erra neste tipo de construção todo o resto do instrumento é “sacrificado”.

Para ilustrar essa realidade, vale recordar um "causo" no mínimo engraçado: certa vez o grande mestre Ladessa depois que percebeu que havia errado na inclinação de um contrabaixo (que havia sido encomendado e ainda estava em fase de construção), ligou para o dono do instrumento e pediu para que ele fosse até a sua oficina. Quando o baixista chegou ao local para ver o andamento de sua nova aquisição, o Ladessa pegou a peça e começou a remover os trastes, um a um e lentamente. Com o baixo nas mãos, ligou a serra de fita e dividiu o instrumento ao meio!

Nem é preciso dizer que o dono do instrumento quis chorar quando viu a cena. Mas, depois, o mestre da luthieria explicou que a inclinação do braço estava levemente errada e que não haveria outro jeito que não fosse recomeçar o trabalho do zero.

Devido às dificuldades de confecção desta complexa técnica, e o tempo gasto com sua fabricação, os inteiriços são mais caros e tem seu valor de mercado mais elevado. Basta ver que os instrumentos com braço aparafusado (ou colado) de fábrica mais baratos do mercado saem por cerca de R$250,00. Já os inteiriços com o menor preço não ficam por menos de R$1.500,00. 

SONORIDADE E CONFORTO

Muitos músicos se perguntam: quais as diferenças cruciais entre os inteiriços e os demais? A resposta é sonoridade, durabilidade, beleza e conforto.

Por proporcionarem um sustain mais duradouro, os inteiriços fazem jus à fama. Quando feitos em peças únicas e em madeiras rígidas e naturalmente envelhecidas, esses instrumentos podem surpreender com um som definido, mais pronunciado e com maior potência nos graves. O motivo pode ser explicado pelo fato de a vibração das cordas e do instrumento se propagar com maior facilidade e velocidade ao longo braço inteiriço, ao contrário dos demais que, por serem fabricados em duas peças (coladas ou aparafusadas), a vibração é interrompida ou quebrada ao se propagar entre o braço e o corpo.

Quanto ao conforto, os instrumentos inteiriços saem na frente dos aparafusados e colados. Isso porque este tipo de construção permite um design mais harmonioso (ver foto) entre o corpo e o braço do instrumento, o que facilita que o músico alcance as notas mais agudas sem perder o conforto na execução das digitações.

DIFÍCIL CONSTRUÇÃO

Muitos fabricantes propagam que os instrumentos aparafusados possuem a mesma definição, médios, harmônicos entre outras. O fato é que a construção de aparafusados é muito mais simples.  Basta ver que há máquinas “inteligentes” que fazem de forma independente braços e corpos para serem aparafusados. Já os inteiriços são manufaturados ou semimanufaturados, ou seja, produzidos manualmente e essa mão de obra especializada é muito cara. E por terem interesse no lucro, muitos luthiers afirmam que a qualidade é semelhante, mas somente o músico possuidor do inteiriço pode aquilatar sua qualidade e com certeza saberá da diferença da água e do vinho.

DURABILIDADE

Por serem geralmente feitos com longarinas de madeira, os braços inteiriço são mais difíceis de quebrar em comparação aos demais e sua durabilidade é muito superior. Isso se deve ao fato de as longarinas de diferentes madeiras duras e de densidade média proporcionarem um reforço extra, resistindo também a eventuais torções susceptíveis em braços aparafusados feitos em uma única peça, mormente se ela não estiver curtida para suportar às variações climáticas. Podemos afirmar que a durabilidade do inteiriço é eterna se o instrumento for bem cuidado e alguns fabricantes (luthiers) dão garantia de 10 anos e até vitalícia, como era o caso do mestre Ladessa.

(Procure sempre saber a escola e conhecer os trabalhos de seu luthier)